Sobre a Doação

Explicando o assunto da doação. Quando uma pessoa serve alguém que o mundo considera importante, a pessoa importante não precisa de recompensá-la pelos seus serviços. Pelo contrário, o próprio serviço a uma pessoa importante é considerado por si como se a tivesse recompensado. Isto significa que se uma pessoa sabe que aquela é uma pessoa importante, ela desfruta de a servir e não precisa de mais recompensa pelo seu serviço. Pelo contrário, o serviço em si é o seu prazer.


Mas se ele estiver a servir uma pessoa comum, ele não obtém prazer no serviço e tem que ser recompensado pelo serviço. Isto significa que se ele fizer o mesmo serviço para uma pessoa importante, ele não precisa de recompensa. 


 Por exemplo, uma pessoa importante chega de avião, carregando uma mala pequena, com muitas pessoas esperando pela sua chegada, e a pessoa importante entrega a sua mala a alguém para levá-la para o carro que o levará a casa. Por este serviço, ela quer dar-lhe, digamos, cem dólares. Ele certamente se recusará a receber dela, porque o prazer que ele retira do seu serviço é maior do que os cem dólares que ela lhe está dando. 


Mas se fosse uma pessoa comum, ele não a serviria nem mesmo por dinheiro. Em vez disso, ele lhe diria: "Há porteiros aqui, eles carregarão a sua mala para o carro. Quanto a mim, servi-lo é rebaixar-me. Mas, uma vez que é o trabalho dos porteiros, eles ficarão felizes em servi-lo se você lhes pagar". 


Assim se vê que, na mesma acção dele, há uma diferença e uma significativa distinção, não no acto, mas por quem é feito: se o está fazendo por uma pessoa importante. Depende apenas da importância do indivíduo aos olhos da pessoa, isto é, o que ele sente sobre a grandeza da pessoa. Não importa se ele percepciona que ele é uma pessoa importante ou se outros à sua volta lhe dizem que ele é uma pessoa importante; isto por si já lhe dá a força para servi-lo sem necessitar qualquer recompensa. 


De acordo com o acima exposto, devemos compreender a verdadeira intenção da pessoa que está servindo a pessoa importante. É sua intenção desfrutar em servi-lo, visto que ele considera ser um grande privilégio? Ou fá-lo por obter um grande prazer em servi-lo? De onde lhe chega o prazer de servir a pessoa importante? Ele não sabe. No entanto, ele está a ver algo natural, que há um grande prazer aqui envolvido, portanto ele quer servi-lo. 


Por outras palavras, o seu objectivo deve-se a ser esta uma pessoa importante, e portanto ele quer que a pessoa desfrute? Ou será que ele quer servi-lo porque lhe dá satisfação? Ou seja, se ele conseguisse, através de outros meios, obter o mesmo prazer que obtém em servi-lo, será que ele renunciaria este serviço, uma vez que só pretenderia servi-lo por sentir que aqui conseguiria encontrar um bom sentimento, e é por isso que ele o serve? 


A questão é se o serviço se deve a ele querer que a pessoa importante se sinta bem, sendo o prazer que ele deriva de servi-lo apenas uma consequência, mas o propósito não é por ele próprio, mas apenas para que a pessoa importante se sinta bem. Ou não está de facto a pensar na pessoa importante, sendo todos os seus calculismos sobre a quantidade de prazer que consegue extrair da situação? 


E se perguntarmos: "Interessa com que intenção está ele a trabalhar?", a resposta é que devemos saber o que significam vasos de doação. 


Há três discernimentos que encontramos num acto de doação. 


1) Ele envolve-se na doação a outros – seja com o seu corpo ou com o seu dinheiro – com o fim de ser recompensado por isso. Por outras palavras, o serviço em si não é suficiente para lhe dar prazer. Pelo contrário, ele quer que lhe seja dada outra coisa em troca disso. Por exemplo, ele quer receber honra em troca do seu trabalho em doação. Para isso, ele tem força para trabalhar. Mas se ele não estivesse confiante de que receberia honra em troca, ele não faria o que faz pelos outros. 


2) Ele envolve-se na doação aos outros e não deseja receber qualquer recompensa pelo seu trabalho, ou seja, outra coisa, algo mais. Em vez disso, ele fica-se pela realização de actos de doação. Está na sua natureza gostar de fazer bem aos outros e este é todo o seu prazer. Certamente, este é um grau superior ao primeiro, pois daqui vemos que ele faz as coisas com o objectivo de fazer bem aos outros. Devemos chamar-lhe: "Doação com o fim de doar". 


No entanto, se olharmos um pouco mais fundo e analisarmos a sua intenção real em dar a outros, ele faz todas essas acções porque deseja desfrutar, ou seja, por amor-próprio, uma vez que pela sua natureza ele aprecia actos de doação; ou é o seu fim gostar que os outros tenham coisas boas? 


Por outras palavras, estará ele desfrutando que os outros estejam de bom humor e é por isto que ele tenta fazer bem aos outros, para que eles estejam com boa disposição e apreciem as suas vidas? E se por acaso ele visse que existe uma outra pessoa, e que essa pessoa teria mais sucesso do que ele em fazer o que ele deseja fazer às pessoas do seu lugar, renunciaria ele ao prazer em realizar actos de doação e tentaria que a outra pessoa o fizesse? 


Com efeito, se essa pessoa, que se envolve em actos de doação sem querer qualquer recompensa pelo seu trabalho, não conseguir conceder em deixar a outra pessoa fazer aquelas coisas pelas pessoas do seu lugar, embora saiba que a outra pessoa é mais competente, então não podemos chamar a isto de "doar com o fim de doar" já que, no fim de contas, o amor-próprio é o seu factor determinante. 


3) Ele está trabalhando com o fim de não receber qualquer recompensa. E se ele vê que há outra pessoa que é mais competente, ele declina o prazer de dar aos outros e preocupa-se somente com o bem-estar do outro. Isso é chamado de "doar com o fim de doar". 


Assim, há um amplo escrutínio que deve ser efectuado aqui sobre a sua real intenção: se ele quer boa disposição para si mesmo e é por isso que ele o serve, ou se ele está a tentar transmitir boa disposição à pessoa importante. 


Para compreender a distinção anterior, podemos entender a questão como uma pessoa imaginando que a outra é uma pessoa muito importante, e é por isso que a deseja agradar, para que fique com bom disposição, e é por isto que ela quer servi-la. Mas, enquanto lhe presta o serviço, ela própria fica com boa disposição e sente-se eufórica. Agora ela considera que todos os prazeres que sentiria na sua vida não são nada quando comparados com o que está sentindo agora, dado estar servindo a pessoa mais importante do mundo, e não tem palavras para descrever a satisfação que obtém de querer que a pessoa esteja bem-disposta. 


Agora ele pode analisar-se, nomeadamente o seu objectivo em querer satisfazer a pessoa importante: estará ele a cuidar do seu próprio bem, isto é, a querer agradá-lo porque isto lhe daria boa disposição, ou a sua intenção é apenas que a pessoa importante desfrute, para que a pessoa esteja com boa disposição, e tem um grande desejo em servi-la só devido à grandeza dessa pessoa? 


Assim, embora durante o serviço ela sinta o grande prazer que é obtido durante o serviço, não obstante se ela sabe que há alguém que poderia dar mais satisfação à pessoa importante se fosse esse outro a servi-lo, ela cede o seu próprio prazer, que pode sentir durante o serviço. Em vez disso, ela deseja sinceramente que o outro realize este serviço porque lhe traria maior satisfação do que se fosse ela a servi-lo. 


Daí resulta que, se ele concordar em ceder o seu serviço, embora ele sinta um grande prazer no seu serviço, e assim beneficiar a pessoa importante e torná-la mais contente, ele deixa-o porque não está pensando em si mesmo, mas apenas no benefício da pessoa importante: considera-se aqui que ele não tem intenção de benefício próprio. Em vez disso, é tudo com o objectivo de doar e não tem nenhuma consideração sobre si mesmo. Nesse momento, ele possui o escrutínio completo, pois ele não se pode enganar a si mesmo, e isso é chamado de "doação completa". 


No entanto, devemos saber que não se consegue atingir isto sozinho. Pelo contrário, é dito sobre isto (Kidushin, 30): "a inclinação do homem supera-o cada dia e tenta matá-lo, como é dito: «O ímpio espreita o justo e tenta matá-lo.» E se o Criador não o ajudasse, ele não iria superá-lo, como é dito: «O Senhor não o deixará na sua mão» ". 


Isto significa que em primeiro lugar a pessoa precisa ver se tem a força para vir a ser capaz de agir com a intenção de doar contentamento ao Criador. Então, quando se tiver apercebido que não consegue alcançá-lo por si mesmo, essa pessoa centra a sua Torá e os Mitzvot num único ponto, que é: "a luz contida corrige-a", que esta será a única recompensa que ela pretende da Torá e dos Mitzvot. Por outras palavras, a recompensa pelo seu trabalho será que o Criador lhe dê essa força chamada de "o poder da doação". 


Existe uma regra em que aquele que faz um esforço, ou seja, anula o seu descanso, fá-lo porque quer alguma coisa, pois sabe que sem trabalho não lhe será dado, por isso ele tem que trabalhar. Por este motivo, uma pessoa que se esforça para cumprir a Torá e os Mitzvot certamente deve ter falta de alguma coisa, para obter o que deseja através dela. 


Desta forma, é preciso prestar atenção e contemplar o que se quer, qual é a recompensa que se pretende do seu trabalho, antes de começar o seu trabalho de servir o Criador. Ou, colocando de forma simples, qual é a razão que o leva a envolver-se na Torá e nos Mitzvot? Então, quando a pessoa determina o que necessita, pelo qual deve trabalhar, uma pessoa começa a pensar muito, até se tornar difícil para ela saber o que realmente quer. 


É por isso que existem muitas pessoas que, quando começam a contemplar a finalidade do seu trabalho, não conseguem determinar o verdadeiro objectivo. Por esta razão, dizem eles: "Porque devemos nós cansarmo-nos a escrutinar?" Em vez disso, eles trabalham sem qualquer propósito e dizem: "Estamos a trabalhar para o próximo mundo". 


E o que é o próximo mundo? "Porque deveremos pensar sobre isso? Nós acreditamos apenas que é bom e isso basta-nos. Quando recebermos a recompensa do próximo mundo, então saberemos o que é. Por que devemos começar com escrutínios?" 


Apenas alguns dizem que há a questão de Dvekut [adesão] com o Criador, e que para alcançar Dvekut têm que alcançar equivalência de forma, ou seja: "como Ele é misericordioso, também vós sois misericordiosos". E então ele começa a tentar atingir equivalência de forma, que todas as suas acções serão com doação, pois só então a restrição e a ocultação que existem no mundo são removidas dele, e ele começa a sentir a Kedusha [santidade]. 


Mas quando ele começa a atingir o grau de doação no seu trabalho, ele vê que está muito longe disso, que não tem qualquer desejo por um pensamento, palavra ou ato que conseguisse ser capaz de direccionar para a doação. E então ele não sabe o que fazer para obter o poder da doação. E de cada vez que ele aumenta o seu esforço, ele vê que toda esta questão está longe dele. No final, ele percebe que não é humanamente possível conseguir alguma vez alcançá-lo. 


Nesse momento, ele percebe que só o Criador pode ajudá-lo, e só então ele entende que deve envolver-se na Torá e nos Mitzvot para receber recompensa. E a recompensa pelo seu trabalho será que o Criador lhe dê o poder da doação. Esta é a recompensa que ele espera, visto que ele quer atingir Dvekut com o Criador, que é equivalência de forma, ou seja, doação. 


E este é a única recompensa que espera: que através do seu trabalho na Torá e nos Mitzvot lhe seja dado o que ele não pode obter por si mesmo, pelo contrário, ele precisa que outrem lhe dê. É como o trabalho no mundo corpóreo: uma vez que uma pessoa não consegue obter dinheiro por si mesma, ela trabalha e, em troca, é paga monetariamente. Da mesma forma, na espiritualidade, o que não consegue obter por si mesmo, ele precisa que alguém lho dê, e isto é aquilo que chamamos de "recompensa".

Portanto, quando uma pessoa deseja alcançar a qualidade de doação, porque quer atingir Dvekut com o Criador, e não consegue obter esta qualidade, e precisa que o Criador lha dê, aquilo que ela pretende que lhe seja dado é chamado de "recompensa". E dado que existe uma regra que se alguém quiser recompensa tem que fazer um esforço e trabalhar, ele cumpre a Torá e os Mitzvot para que lhe seja dada esta recompensa, que é chamado "o poder da doação", no sentido de sair do seu amor-próprio e receber um desejo de ter a força para se envolver somente no amor dos outros. 


Este é o significado de "Uma pessoa deve sempre envolver-se em Torá e Mitzvot em Lo Lishma (não em Seu nome), porque de Lo Lishma chega-se a Lishma (em Seu nome), porque a luz contida corrige-a". Assim, através do trabalho na Torá e Mitzvot para alcançar Lishma, ela atingirá o grau de Lishma por trabalhar em primeiro lugar. É por isso que ela é recompensada com a luz contida aí, que a corrige, e é considerado que ele foi concedido do alto o poder de doação. 


No entanto, devemos perguntar: "Porque é necessário que ele se esforce primeiro para depois lhe ser dada a luz da Torá? Porque não lhe é dada a luz da Torá imediatamente, para que o corrigisse instantaneamente? Além disso, porque esforçar-se e trabalhar para nada e perder tempo para nada? Não seria melhor se lhe fosse concedida a luz logo no início do seu trabalho, ou seja, que ele recebesse imediatamente a luz e começasse imediatamente o seu trabalho em Lishma?". 


A questão é que não há luz sem um Kli (vaso), e um Kli significa um desejo. Por outras palavras, quando uma pessoa tem uma necessidade e anseia por satisfazer essa necessidade, isso é chamado de "um Kli". Só então, quando ela tem um Kli (ou seja um desejo por alguma realização), pode-se dizer que lhe é dado o preenchimento e ela está satisfeita com o preenchimento que lhe foi dado, pois foi por isto que ansiou. Recompensa é considerada um preenchimento, quando o anseio recebe. Além disso, a medida da importância do preenchimento depende da medida do anseio. E na medida do seu sofrimento, nessa medida disfruta-se o preenchimento. 


Por esta razão, é impossível dar a uma pessoa uma luz que a corrigirá quando não tem o mínimo desejo por ela. Isto porque corrigi-la significa que perderá o poder do amor-próprio e receberá o poder do amor pelos outros. 


Se uma pessoa não deseja sair do amor-próprio e lhe é dito: "Trabalhe um pouco e em troca não terá qualquer desejo de amor-próprio", ela não considera isto como sendo uma recompensa. Pelo contrário, ela acha que pelo trabalho que fez para o proprietário, ele devê-la-ia ter recompensado pelo seu trabalho. Mas em troca, ele está dando-lhe algo muito mau, de tal forma que ele perderia todo o amor-próprio num instante. Quem concordaria com isso? 


 Por esta razão, primeiro uma pessoa deve estudar em Lo Lishma, para que através disso, o corpo a apoie, uma vez que uma pessoa está disposta a desistir de um pequeno prazer para receber um grande prazer. Mas, por natureza, é incapaz de imaginar prazer que não assente em amor-próprio. Por isso, é-lhe dito que será recompensada pelo envolvimento na Torá e nos Mitzvot. Isto não é uma mentira, pois será certamente recompensada. Por outras palavras, é-lhe dito que, pelo seu esforço na Torá e nos Mitzvot, ela será recompensada, e esta é a verdade, dado que será efectivamente recompensada, mas a recompensa mudará. 


Por exemplo, um pai diz ao seu filho: "Se te portares bem, eu vou comprar-te um brinquedo, um carro de plástico". Depois, o pai vai para o estrangeiro e volta alguns anos depois. O filho já cresceu, chega ao pé do pai e diz-lhe: "Pai, antes de teres ido para o estrangeiro, prometeste-me um carro de brincar de plástico". Então o seu pai vai e compra-lhe um carro a sério, dos que podem fazer grandes distâncias. 


O filho já é inteligente e entende que agora não é altura de um carro de plástico, mas de um carro a sério. É isto considerado uma intrujice do pai? Claro que não! Em vez disso, agora o jovem vê que quando ele era criança, ele só podia entender uma pequena recompensa.


Também aqui ele começa com uma recompensa insignificante, chamada Lo Lishma, significando que ele está à espera de ser recompensado com algo que não vale nada comparado com a verdadeira recompensa que ele irá receber, sendo recompensado com Lishma, que é o Kli no qual se pode receber o deleite e o prazer que o Criador deseja transmitir. Esses são os verdadeiros prazeres. 


Daqui resulta que, dizendo-lhe para trabalhar em Lo Lishma, ou seja, para ser recompensado, tal é verdade, isto é, quando ele direcciona a sua intenção para a doação, ele também será recompensado. A única falsidade é na própria recompensa. Enquanto uma pessoa está em Lo Lishma, ele pensa que lhe será dada uma recompensa diferente, que o Kli que a recebe é chamado de "amor-próprio". 


Mas depois, quando uma pessoa cresce, começa a entender que os Kelim [vasos] que realmente recebem a recompensa são os Kelim de doação, que é precisamente através desses Kelim que o verdadeiro deleite e prazer é recebido. Nesse momento, ele sente que é o homem mais feliz do mundo. Mas a recompensa que ele desejava ter recebido enquanto estava em Lo Lishma era uma recompensa somente adequada para um menino pequeno. 


Assim, quando se ensina a receber recompensa e prazer pelo seu trabalho em Lo Lishma, tal não é considerado uma mentira, pois ele não perdeu nada por a sua recompensa ter sido trocada por uma recompensa maior. Só devemos explicar que Lo Lishma, ou seja, esta recompensa, não é o nome verdadeiro, como ele pensa. Pelo contrário, a recompensa tem um nome diferente do que ele pensava. No entanto, uma recompensa continua a ser uma recompensa, e a recompensa não é alterada; somente o nome da recompensa muda: de uma recompensa falsa e imaginária para uma verdadeira recompensa. 


De tudo o que foi exposto, conclui-se que a principal coisa que uma pessoa precisa em troca do seu trabalho na Torá e nos Mitzvot é que o Criador lhe dê os vasos de doação, os quais uma pessoa não consegue obter por si mesma, porque são opostos à natureza. No entanto, este é um presente do alto: que a sua recompensa será sempre esperar pelo momento em que ele possa trazer satisfação ao Criador. E uma vez que esta é a recompensa que ele espera, isto é chamado de "a sua recompensa". 


Para entender o acima exposto, devemos procurar no "Prefácio Geral da Árvore da Vida" (ponto 3), onde está escrito: "A raiz da escuridão é o Masach no Kli de Malchut, e a raiz da recompensa está enraizada na luz reflectida que sai através de um Zivug de Hakaa". 


Aí ele oferece a raiz do que vemos neste mundo, que tudo o que vemos neste mundo é um ramo que se estende desde as raízes, desde os mundos superiores. Ele diz que: "A raiz do trabalho que uma pessoa sente neste mundo provém da raiz do Masach no Kli de Malchut". 


Isto significa que o Kli que as criaturas têm é chamado "um desejo de receber prazer", que o Criador criou devido ao Seu desejo de deleitar as Suas criaturas. Por isso, Ele criou nas criaturas um desejo de receber prazer. Nas Sefirot superiores, isto é chamado de Malchut


Depois, aprendemos que houve um Tzimtzum (restrição). Isto significa que uma pessoa não quer ser um receptor, porque quer equivalência de forma com o Criador; assim, foi criada uma regra na Kedusha (santidade) de que nada é recebido a menos que haja uma intenção de doar. 


Este é o significado da correcção do Masach (tela). Dado estarmos a falar de luzes superiores, não querer receber a luz é chamado de "um Masach". É como uma pessoa que coloca uma cortina ou um véu quando o sol brilha muito intensamente e ela não quer receber a luz, que o sol não entre em casa. 


Assim, quando falamos de luzes superiores, embora Malchut tivesse uma grande vontade e desejo de receber a luz do prazer, mesmo assim ela abdicou do prazer, não o recebendo porque queria equivalência de forma. Isto é chamado de "trabalho", ou seja, fazer algo contra a sua vontade, prevenindo-se de receber o prazer. 


 No mundo físico, também, quando uma pessoa tem que abdicar de alguns prazeres é considerado um esforço. Por exemplo, se uma pessoa gosta de descansar, e por algum motivo tem que deixar o seu repouso e fazer alguma coisa, isso é chamado de "trabalho". 


Ele também nos mostra como, quando o ramo corpóreo recebe uma recompensa, onde está enraizada nos mundos superiores. Ele mostra-nos que a raiz da recompensa provém da Luz Reflectida: o desejo de doar extraído do Zivug de Hakaa que ocorreu entre a luz superior e o Masach e Aviut [espessura] (ver O Estudo das Dez Sefirot, Parte 4, Item 8). Ele escreve: "A Luz Reflectida que reveste surge como resultado de duas forças". 


Na espiritualidade, um Zivug de Hakaa significa que se duas coisas são opostas entre si, é considerado como Hakaa(colidindo/batendo). Isso significa que, por um lado, uma pessoa realmente quer aquela coisa, porque vê que lhe dará imenso prazer, mas, por outro lado, ele supera e não a recebe, porque quer equivalência de forma. 


De facto, existem dois desejos aqui: 1) O desejo da pessoa de receber prazer, e 2) o seu desejo por equivalência de forma. E desses dois nasce uma coisa nova, chamada "Luz Reflectida que reveste". Com esta força, ela pode posteriormente obter a abundância superior, porque esta Luz Reflectida é o Kli adequado para a recepção da graça. 


Por outras palavras, com este Kli ele tem duas coisas: 1) Ele recebe o prazer encontrado na abundância superior, que vem do pensamento de criação, de fazer bem às Suas criações. 2) Ao mesmo tempo, ele encontra-se em equivalência de forma, que é o segundo discernimento que tem sobre a recepção da abundância. 


De todo o exposto, vemos que a inteira recompensa é apenas a Luz Reflectida, que é o poder de doação que o inferior recebe do superior, que ele chama de "Luz Reflectida", significando o que o inferior dá ao superior. Isto significa que a abundância que inicialmente veio do Criador é chamada "Luz Directa", como está escrito: "Deus criou o homem directamente". É como nós aprendemos, que o pensamento de criação foi fazer bem às Suas criações, ou seja, que os menores recebam a abundância, e isto é chamado "directamente". 


Mas os receptores da abundância desejam equivalência de forma, portanto temos uma correcção chamada "Luz Reflectida." Isto significa que o receptor da abundância não a recebe por querer desfrutar, mas porque ele deseja dar ao superior. Por outras palavras, como o superior deseja que o receptor desfrute, o receptor da abundância procura devolver o prazer ao doador, ou seja, que o superior desfrute o cumprimento do seu pensamento. Daqui resulta que a recompensa é principalmente a Luz Reflectida, ou seja, o poder de doação que o inferior recebe do superior. 


Mas devemos ainda entender porque dizemos que o Kli, que é chamado "poder de doação", é toda a recompensa. Afinal, "recompensa" implica algo que é recebido. Nós dizemos: "Eu trabalho pelo pagamento", ou dizemos que a finalidade da criação é fazer bem às Suas criações, o que significa que elas receberão a recompensa. E aqui nós estamos a dizer que a recompensa é chamada "o poder de dar." E o que entendemos? Que a recompensa deveria consistir em uma pessoa receber a realização da Divindade e os segredos da Torá, e assim por diante. Mas porque diz ele que a recompensa está na obtenção do poder de dar, ou seja, o poder de doação? Além disso, ele diz-nos que isto provém da raiz superior, chamada "Luz Reflectida". 


Existe uma regra conhecida de que a vaca quer amamentar mais do que o bezerro quer mamar. Daqui resulta que o Criador deseja dar mais às criaturas do que as criaturas que desejam receber. Então, quem está inibindo? Devemos lembrar que o Tzimtzum ocorreu de modo a que as criaturas pudessem ter equivalência de forma. Esta é uma correcção para evitar o pão da vergonha, que provém da nossa raiz porque o Criador é relativo a doação e não a recepção, pois Ele não tem necessidades e não existe tal coisa como recepção n’Ele. Assim, de acordo com a regra que existe na nossa natureza que cada ramo pretende assemelhar-se à sua raiz, quando o inferior tem que realizar uma acção que não está presente na raiz, ele sente dissabor. 


Daqui resulta que, para receber abundância, que é luz e prazer, a pessoa não precisa de fazer nada por isso, uma vez que o Criador quer dar à criatura mais do que a criatura quer receber. No entanto, a criatura não possui um Kli no qual possa desfrutar os prazeres que lhe serão concedidos, devido à vergonha. Daqui resulta que a única recompensa de que precisamos é o Kli, que é chamado de "o poder da doação". Assim, tudo o que precisamos são Kelim [plural de Kli], e não luzes, e é por isso que a recompensa é essencialmente o poder de doação. 


No entanto, para obter esse Kli, chamado de "o desejo de doar," precisamos de um desejo, ou seja, de sentir que precisamos deste Kli. É por isto que nos devemos envolver primeiro na Torá e nos Mitzvot em Lo Lishma, e este é o nosso trabalho: ver que tudo o que fazemos é para benefício próprio, sem qualquer intenção de doar. 


E então vemos que necessitamos do poder de doação, e queremos uma recompensa pelo nosso trabalho, que o Criador nos dê esta recompensa, o desejo de doar. E quando temos esse poder, seremos capazes de receber o deleite e o prazer que já estão disponíveis e pelos quais não precisamos de trabalhar minimamente, porque o Criador os dá. Mas para uma pessoa subir de grau em grau, ele tem que adquirir em cada vez o poder da doação, e então nada mais está em falta.